segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Hoje era o teu dia...



Farias 25 anos, se fosses vivo. Iríamos fazer uma festa para comemorar o teu dia. Todos os teus amigos te iriam dar os Parabéns, uns de forma mais efusiva que outros, mas o dia era teu. Hoje, o dia continua a ser teu, mas tu já cá não estás para te darmos os parabéns. Mas nós continuamos a lembrar-nos que este é o teu dia. E recordamo-lo com saudade.

Partiste muito cedo, com 23 anos, porque um linfoma ditou que assim fosse. Tiveste cerca de 6 anos a lutar, mas os milagres não existem e deixaste-nos. Cedo, muito cedo. Mas, mesmo assim, tive a sorte de te ter tido como um dos meus melhores amigos. Tive a sorte de morar contigo dois anos nos tempos da universidade (estavas a tirar Negócios Internacionais), tive a sorte de ser a tua confidente e ainda, em tons de brincadeira, prometer casar contigo aos 30 anos, se ambos estivéssemos sozinhos nessa altura. E, um dia, pouco antes de partires, mandaste-me uma mensagem, num momento de fragilidade, que dizia "Acho que não consigo chegar aos 30 para casar contigo".

Pouco falavas da doença, poucos sabiam dela na universidade, e a poucos dizias o quanto estavas farto dela e o quanto a odiavas porque não te deixava viver a tua vida. Nem à tua mãe, nem à tua irmã. Muito menos à tua mãe e à tua irmã. Porque não as querias ver sofrer. Mas elas sabiam e vinham falar comigo e pediam: fala com ele, só contigo ele desabafa sobre a doença. E eu ia, e tu desabafavas. E choravas. E, às vezes, eu chorava contigo, já a pensar na falta que me irias fazer.

Em fins de Setembro, inícios de Outubro, desistiram de ti, diziam que o tratamento já não ia adiantar. Que não duravas mais de 3 meses. E a tua mãe, recusando aceitá-lo, continuou a "correr mundo" à procura de um hospital, fosse onde fosse, que aceitasse tratar-te. Enquanto isso, equipou o quarto dela com uma cama de hospital, colocou em cima da cómoda - que estava mesmo em frente a ti - fotografias tuas com as pessoas mais importantes da tua vida. E lá estava eu, a sorrir ao teu lado (ainda me lembro quando a tirámos, num S. Pedro, em minha casa).

Eu tinha deixado de trabalhar nessa altura (hoje digo, felizmente), e estava a acabar a minha Tese de Mestrado. A tua mãe tinha que trabalhar, a tua irmã, tinha que ir para as aulas. E eu, tinha que ficar contigo, pelo menos enquanto uma delas não chegasse. O meu maior medo quando ficava sozinha contigo era que algo te acontecesse, que te faltasse o ar, que te sentisses mal, porque não iria saber o que fazer. Mas nunca aconteceu nada disso e eu pude ficar contigo sempre. A única coisa que me pedias era que te fizesse festinhas na cabeça, enquanto víamos televisão, ou no braço, para adormeceres. Em todos esses momentos, mesmo sabendo que estavas cada vez mais frágil, nunca me passou pela cabeça que estavas frágil o suficiente para nos deixares.

Um dia, tinha combinado com a tua mãe ir para o pé de ti no fim de almoço, para a tua mãe ir trabalhar. Quando me abriu a porta, abraçou-se a mim e começou a chorar. Em momento algum tinha visto a tua mãe chorar. E disse-me: "Ele está mesmo mal, não quer ver ninguém. Para imaginares como ele está mal, nem a ti ele quer ver." Mas eu sabia que no fundo aquilo não era verdade. Quando subi, começaste a chorar. E estavas frágil, muito frágil. A tua mãe saiu, mas não por muito tempo. Decidiu que te ia levar ao IPO porque não estavas mesmo nada bem, estavas com muitas dores. Mas deu-te um medicamento e ficámos à espera que fizesse efeito para poderes ir o mais confortável possível na ambulância para o IPO. Antes de ires, abracei-te, e aquele foi o único momento em que eu tive noção que não te ia voltar a ver.

Lembro-me de ter pegado no carro e ir para a beira do mar chorar. E de chegar a casa e chorar dizendo à minha mãe que tu estavas mesmo mal e ias morrer. A tua irmã, enquanto eu jantava, implorou-me para ir ter com ela ao IPO porque precisava de mim. Assim fiz. Quando lá cheguei, antes de entrar, recebi uma mensagem da tua irmã a dizer o que eu mais temia.

A partir daqui não há muito mais a dizer, e eu não quero recordar muito mais porque foram momentos ainda mais dolorosos. Porque nos deixaste, porque já não estavas connosco.

Esta foi a música que pediste que fosse tocada no teu funeral. Ironia. A música chama-se "No Surprises". Para ti, já não era surpresa nenhuma que irias partir mais cedo ou mais tarde. Foi um momento muito emocionante, este em que passou a música. Mas tinha que acontecer, porque tu pediste.

Hoje era o teu dia, e esta é a homenagem que te posso fazer. Se estivesses aqui comigo, dava-te os Parabéns, com um abraço apertado e dir-te-ia gosto muito de ti.

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